sábado, 1 de agosto de 2015

A difícil relação entre ciência e espiritualidade


O desejo de legitimar uma crença religiosa ou espiritualista como sendo científica, traz mais consequências negativas do que positivas para o movimento espiritualista como um todo, pois a resistência da comunidade acadêmica aumenta com tantos disparates chamados de "comprovação científica". Tomemos, por exemplo, o ensinamento de Saint Germain, presente em um de seus livros, que afirma ser possível pelo poder da mente ir dormir no corpo de um homem negro africano e acordar no corpo de uma mulher loira e alemã.
No plano das crenças, nada contra. Porém, não há nenhuma evidência científica desse processo, o que não significa dizer que não possa acontecer.
Mas se alguém escrever que a física quântica comprova que isso acontece, precisa demonstrar de fato, dentro das regras científicas.
Da mesma forma, encontramos livros afirmando que é possível controlar com a mente todos os fenômenos naturais, o que implica aceitar que podemos fazer chover ou parar uma chuva, criar eclipse lunar ou solar, parar o degelo dos polos etc. com o poder da mente. Também não há evidência científica desse processo, o que leva a comunidade científica a ignorar afirmações como a de Lauro Trevisan que escreve que a "física quântica comprova que a mente cria a matéria e a transforma."
Porém, desde a década de 1970, há pesquisas no campo da neuroimunomodulação e da psiconeuroimunologia que reconhece, com evidências, há existência de interação entre o sistema nervoso (que na essência é um monte de átomos) e o sistema imune, e reconhecendo que a mente pode enfraquecer ou fortalecer o nosso sistema imunológico, favorecendo ou dificultando, assim, a ação de fungos, vírus, bactérias etc. (que também são, essencialmente, formados por átomos). Porém, nada disso garante que houve uma "cura quântica", pois não há evidências que átomos fiquem doentes. A célula sim pode se deteriorar e morrer, liberando os átomos que a formam.
E da mesma forma que o eletromagnetismo e a psicanálise foram, no passado, usadas para legitimar crenças espiritualistas e religiosas, hoje a bola da vez é a física quântica e amanhã será outra disciplina científica.
E entrando no mérito das reflexões sobre espiritualidade e física quântica, os argumentos ou pressupostos teóricos são facilmente derrubados o que não significa dizer que o status quo não quer que as pessoas conheçam a "verdade", quando tais teorias são ignoradas pela comunidade acadêmica. Por exemplo, Capra (o tao da física) fará essa ponte entre ciência e espiritualidade partindo do pressuposto que o vácuo (vazio) quântico corresponde ao Tao, à Brahman ou a "realidade última" dos budistas. Essa hipótese não é aceita por vários espiritualistas e nem por vários adeptos da psicologia transpessoal que também procuram trilhar essa ponte entre a ciência e a espiritualidade.
Por outro lado, há autores que vão afirmar que o ato de olhar para o elétron faz com que ele deixe de ser onda e se torne partícula, justificando assim, que o ser humano cria a matéria. Essa é a tese central, por exemplo, de Lauro Trevisan e demais autores que afirmam ser possível controlar todo e qualquer fenômeno natural. Porém, o que os físicos realmente afirmam é que o instrumento criado para se medir o comportamento de um elétron interfere no resultado final.
Enfim, esse é um campo que merece ser trilhado, mas com método e paciência, e não apenas no afã de legitimar uma crença espiritualista, seja ela qual for.
São Carlos, 01 de agosto de 2015