sábado, 7 de novembro de 2015

Emmanuel Levinas (1906-1995): um sonho hermesiano em uma realidade prometéica

Emmanuel Levinas (1906-1995): um sonho hermesiano em uma realidade prometéica

Adilson Marques - pós-doutorando no departamento de metodologia de ensino da UFSCar
contato: asamar_sc@hotmail.com        
               
                Meu primeiro contato com a obra e o pensamento de Levinas aconteceu entre os anos de 1992 e 1996, durante a realização do mestrado, na FEUSP, sob a orientação da prof. Dra. Roseli Fischmann, que atuava, na época, com educação comunitária e multicultural, e também militava em defesa do estado laico e da diversidade religiosa. A obra de Levinas, com suas reflexões sobre a  alteridade e o respeito ao Outro (ao diferente) fazia parte de seu referencial teórico, que incluía também Martin Buber, Alfred Schutz e outros pensadores.
                Levinas costuma ser chamado de filósofo judeu, mas ele gostava de afirmar que era filósofo e judeu. Porém, é indiscutível a forte presença da religiosidade judaica em seu pensamento, o que talvez explique o motivo de sua obra ser muito mais discutida no ambiente da teologia do que, propriamente, na filosofia.
                Sua obra é classificada dentro da tradição fenomenológica. Levinas foi o primeiro a traduzir a obra de Husserl e de Heidegger para o francês. Porém, com o advento do nazismo e após ser preso em um campo de trabalho forçado na Alemanha, Levinas elabora sua crítica à ontologia de Heidegger e passa a se dedicar à ética, que chama de "filosofia primeira", elaborando seu pensamento em defesa do respeito ao Outro e do valor fundamental da alteridade e da transcendência.  
                Totalidade e infinito (1961) é considerada como sua principal obra, na qual deixa evidente sua crítica à busca por um saber absoluto e totalizante na filosofia ocidental (dos gregos aos alemães) e apresenta sua reflexão sobre o infinito, aprofundando, inclusive, sua reflexão sobre espiritualidade e postulando que a alma pode existir antes da encarnação e continuar existindo após a morte. No prefácio do livro (p. 13) afirma: “Este livro se apresenta como uma defesa da subjetividade, mas ele não a captará no nível de seu protesto puramente egoísta contra a totalidade, nem em sua angústia diante da morte, mas como fundada na ideia do infinito. Avançará distinguindo entre a ideia de totalidade e a ideia de infinito e afirmando o primado da ideia do infinito. Vai descrever como o infinito se produz na relação do Mesmo com o Outro e como, inultrapassável como é, o particular e o pessoal magnetizam de algum modo o próprio campo em que se verifica a produção do infinito."
                Para Levinas, o pensamento do ser, ou seja, a ontologia, conforme Heidegger a considerou, além de ser um pensamento excludente, seria perigoso por defender o privilégio da razão e se mostrar pretensamente neutro, quando estaria a serviço da identidade do "Mesmo"  e da negação ou destruição do "Outro".  Para ele, a razão, desvinculada da ética e da justiça, seria um dos motivos, por exemplo, para a ascensão de Hitler ao poder.  
                Podemos compreender que o ambiente em que viveu boa parte de sua vida era prometéico. O culto à razão, ao progresso, às doutrinas totalizantes formavam o cerne da modernidade. E, paradoxalmente, por questionar o mito prometéico da razão, ele é condenado como Prometeu. E é em sua experiência em um campo de trabalho forçado, perdendo toda sua identidade e humanidade, que consegue enxergar que seus heróis (Husserl e Heidegger) também reforçavam o "Mesmo", estando também inseridos em um pensamento absoluto e globalizador. E, de alguma forma, o próprio Levinas desperta ou rompe com o seu lado heroico marcado pela tentativa de levar uma outra tonalidade de Luz para a França racionalista, introduzindo o pensamento fenomenológico nascido na Alemanha.
                E mesmo não sendo um pensador "pós-moderno", sua proposta filosófica apresenta uma ruptura com o ideal moderno e prometéico que fundam o iluminismo e sua sombra, as sociedades totalitárias de esquerda e de direita. Para Levinas, a razão foi utilizada para neutralizar o Outro, englobando-o e o reduzindo ao Mesmo. E a ontologia heideggeriana não visaria a paz com o Outro, mas a supressão ou posse do Outro. A ontologia, em sua opinião, desemboca na tirania do estado, daí afirmar que a ontologia, sem a ética, seria a filosofia do poder ou a filosofia da injustiça.
                E a segunda fase do trabalho de Levinas, após sua experiência no campo de trabalho forçado, passa a ser a critica à legitimação do domínio do Outro, tanto na filosofia grega como na alemã. A Ontologia passa a ser considerada a "filosofia segunda" uma vez que, a "filosofia primeira" passa a ser a ética, ou a construção da alteridade e de uma relação de justiça com o Outro que, ao mesmo tempo, é transcendental. Ou seja, para Levinas, a busca da transcendência nos leva, inexoravelmente, ao Outro. A transcendência não é negatividade ou negação do mundo, como se esse fosse uma mera ilusão, mas uma abertura para o mundo e, sobretudo, ao Outro com o qual devo aprender a conviver com respeito, construindo, numa linguagem mais atualizada, uma cultura de paz e cooperação.
                E essa relação alquímica ou hermesiana com o Outro é o objetivo da sua ética, abrindo o nosso horizonte para uma perspectiva de não-violência e de justiça, no qual o ideal moderno iluminista (prometéico) que justifica a violência contra o diferente é substituída por um ideal transcendente e metafísico (hermesiano) de abertura e respeito ao Outro. E essa separação do Mesmo só é produzida sob a forma de uma vida interior (psiquismo). Para Levinas, o psiquismo não reflete o ser, mas é uma maneira de ser que resiste à totalidade, uma vez que, a  interioridade instaura uma ordem diferente do tempo histórico em que a totalidade se constitui. A interioridade é justamente a recusa a transformar-se num puro passivo, que figura nunca contabilidade alheia. E é o psiquismo e não a matéria que traz um principio de individualização, daí a relação direta entre a ética e a metafísica em seu pensamento tipicamente hermesiano.
São Carlos, dia 07 de novembro de 2015 - dia de São Vicente Grossi.

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