quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

minuta do manifesto pela paz e pela tolerância religiosa em São Carlos

Nos dias 20 e 21 de Janeiro acontecerá em São Carlos o IV encontro do Fórum Permanente de Educação, Cultura de Paz e Tolerância Religiosa. No evento, será elaborado um documento que vai pautar o plano de ação do Projeto Homospiritualis em defesa da diversidade religiosa no município para o triênio 2013-2015.
Podem participar do Fórum todas as organizações religiosas, espiritualistas ou de defesa dos direitos humanos interessadas através de inscrição pelo e-mail homospiritualis_br@hotmail.com
Abaixo segue a minuta do documento que será debatido e aprovado no evento. Os grupos que pretendem participar podem mandar sugestões para o documento através do e-mail acima. As propostas sugeridas serão lidas e debatidas no evento.
Leia a minuta do documento:


Manifesto pela Paz e pela Tolerância Religiosa em São Carlos:
Um plano de metas para o triênio 2013/2015

Ontem nosso vizinho extrapolou. Ficou gritando o tempo todo dizendo que ia pegar facão, nos matar etc. 
De novo, polícia, telhas quebradas na casa da XXXXX, e, no final, subiu em nosso muro ameaçando-nos com facas.
Trecho de uma carta de um umbandista relatando mais um caso de intolerância religiosa na cidade de São Carlos em janeiro de 2013

Estamos vivendo no Brasil, em matéria de religião, uma situação que não deveríamos viver de modo algum. A ampliação de novos grupos religiosos e o recrudescimento de velhos grupos abre o nosso país para questões até pouco tempo estranhas. Duas delas: a questão da religião diante do Estado e a da religião diante da cultura.

Quanto à primeira questão, notamos os grupos que não entendem que o Brasil é uma sociedade plurirreligiosa e que o Estado é laico. O Estado é neutro quanto à religião exatamente para garantir que indivíduos e grupos adotem e expressem as crenças que escolherem.

Por isso mesmo caberia ao Estado, talvez, incentivar na escola pública a história das religiões, mas não a aula de religião (ainda que plural) ministrada por um militante de igreja.
Trecho de artigo escrito por PAULO GHIRALDELLI JR. e publicado no jornal A Folha de São Paulo, em janeiro de 2013


Em setembro de 2001 foi criado o Projeto Homospiritualis para difundir a Cultura de Paz e ajudar na promoção da Diversidade Religiosa em São Carlos. Sem vínculos com partidos políticos ou religiões, foi criado por pessoas oriundas das mais diferentes religiões ou filosofias espiritualistas para defender o Estado laico, constantemente ameaçado pelo fanatismo religioso que recrudesce nos últimos anos, em nosso país. A partir de 2001, o projeto passou a organizar o Encontro Ecumênico de Educação e Cultura para a Paz. O evento acontece, sempre que possível, no dia 04 de Outubro, dia de São Francisco de Assis, por considerá-lo um ícone da cultura de paz, da sustentabilidade e do respeito à diversidade religiosa. O evento tem por meta dar mais visibilidade ao principio 4 do manifesto 2000, da UNESCO: “ouvir para compreender”. Dessa forma, o Encontro vem, gradativamente,  ajudando a estabelecer um diálogo inter-religioso na cidade, favorecendo a difusão da tolerância e o respeito à diversidade religiosa.
Em 2010, porém, o Projeto Homospiritualis passou a organizar, no dia 21 de janeiro, outro evento: o Fórum Permanente de Educação, Cultura de Paz e Tolerância Religiosa. O dia 21 de janeiro é considerado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Mas, para o Projeto Homospiritualis, é mais importante enfocar e promover a tolerância do que combater à intolerância e, nesse processo, a Educação tem um papel importante.
Assim, ao contrário do encontro ecumênico, o fórum visa propor planos de ação política que são encaminhados para avaliação da sociedade civil e do poder público. São propostas de políticas públicas, culturais e educativas que ajudem a defender e a promover a diversidade religiosa no município de forma que se garanta a liberdade de expressão religiosa e se consolide o Estado laico.
No encerramento do Fórum, em 2010, foi aprovado um documento com as seguintes sugestões:
1 – criação no município do conselho municipal da diversidade religiosa;
2 – implementação no município do ensino religioso facultativo, sem cunho proselitista ou doutrinário, valorizando a história e a filosofia das religiões, pautando-se nas pesquisas realizadas no âmbito das Ciências das religiões, área acadêmica que vem se consolidando no país.
Infelizmente, no triênio 2010/2012, não foi possível avançar e nenhuma das duas propostas saiu do papel. Mesmo assim, é importante manifestar  nossa gratidão ao ex-vereador Robertinho Mori (PV) que se sensibilizou com essa causa e, em 2012, com sua equipe de assessores elaborou o projeto de lei que propunha a criação do conselho municipal da diversidade religiosa, não aprovado graças a pressão de grupos religiosos que, como em outros municípios brasileiros, se organizam contra qualquer movimento de cunho ecumênico ou voltado para a valorização da diversidade religiosa, uma vez que  sua filosofia de ação é pautada, frequentemente, na luta contra outras religiões, sobretudo as de matriz afro-brasileiras, classificadas como “dominadas pelo demônio”.
Em 2013, o IV encontro do Fórum Permanente de Educação, Cultura de Paz e Tolerância Religiosa volta a ser realizado em São Carlos e, coincidência ou não, no mês de janeiro tivemos acesso a dois documentos, cujos trechos aparecem acima na forma de epígrafe. O primeiro relatando um caso de intolerância religiosa no município e, o segundo, a preocupação de um filósofo de renome com a manutenção da laicidade do Estado em nosso país.
Esses dois casos demonstram a necessidade de se ter em pauta a questão da tolerância religiosa e a manutenção do Estado laico.
E é dentro deste espírito que o 4º encontro do Fórum Permanente de Educação, Cultura de Paz e Tolerância Religiosa, reunido no dia 20 de janeiro de 2013,  discutiu e aprovou como propostas para atuação política no triênio compreendido pelos anos de 2013 e 2015, as seguintes propostas:
1 – não desistir de abraçar essa causa: a criação do conselho municipal da diversidade religiosa
No dia 2 de janeiro, o jornal A Folha de São Paulo publicou artigo assinado pelo filósofo Paulo Ghiraldelli Junior abordando o crescimento do fanatismo religioso no país e o risco deste fato ao estado laico e a garantia da liberdade de expressão religiosa. No artigo sugere que o Estado deve garantir este direito.
E mal começou o ano e membros do Projeto Homospiritualis recebeu o seguinte e-mail:

Queridos, bom dia.

Ontem nosso vizinho extrapolou. Ficou gritando o tempo todo dizendo que ia pegar facão, nos matar etc. 
De novo, polícia, telhas quebradas na casa da XXXXX, e, no final, subiu em nosso muro ameaçando-nos com facas. Estava bêbado e drogado.

XXXXX ficou assustada e com medo. Todos ficamos, na realidade.

Sabemos que nada disso acontecerá. Mas ontem haviam crianças entre os consulentes, se assustaram. E, claro, os consulentes não precisam passar por isso.

Estou decidindo fechar a casa na Vila Nery e abri-la em outro local.

Gostaria da opinião de vocês.

Infelizmente, a ausência de um Conselho Municipal da Diversidade Religiosa, que teria justamente o papel de sugerir políticas públicas capazes de garantir a liberdade de expressão religiosa no município e também receber e averiguar denúncias de intolerância religiosa dificulta a manutenção do Estado laico. Nesse sentido, a criação de um Conselho que possa atuar como braço direito do Comitê Nacional da Diversidade Religiosa, ajudando, a nível municipal, na implementação das ações sugeridas por este, entre elas:
a) Instituir mecanismos que assegurem o livre exercício das diversas práticas religiosas, assegurando a proteção do seu espaço físico e coibindo manifestações de intolerância religiosa.
b) Promover campanhas de divulgação sobre a diversidade religiosa para disseminar cultura da paz e de respeito às diferentes crenças.
d) Estabelecer o ensino da diversidade e história das religiões, inclusive as derivadas de matriz africana, na rede pública de ensino, com ênfase no reconhecimento das diferenças culturais,  promoção da tolerância e na afirmação da laicidade do Estado.
e) Realizar pesquisas populacionais relativas a práticas religiosas, que contenha, entre outras, informações sobre número de religiões praticadas, proporção de pessoas distribuídas entre as religiões, proporção de pessoas que já trocaram de religião, número de pessoas religiosas não praticantes e
número de pessoas sem religião.

O fato da bancada evangélica na câmara municipal ter se insurgido contra a criação do conselho proposto pelo ex-vereador Robertinho Mori (PV), só demonstra como o mesmo é um importante instrumento democrático para garantir a laicidade do Estado e a liberdade de expressão religiosa e que precisa ser criado e organizado com rapidez em nosso município.

2 – implementação do ensino religioso sem finalidade doutrinária na rede municipal de ensino
No mesmo artigo citado acima, o filósofo Paulo Ghiraldelli Junior defende o ensino laico da história das religiões, sem tentativa de doutrinação.  Essa também foi uma das propostas que fizemos em 2010, levando a proposta á antiga secretária de educação do município. Este manifesto propõe que novamente a proposta seja levada para a atual administração pública.

3 – Criação da licenciatura em Ciências da Religião em uma das Universidades públicas da cidade (UFSCAR, USP) ou em uma Instituição de Ensino Superior da rede particular (UNICEP etc.), na modalidade presencial e/ou a distância
Recentemente, foi criada na cidade de Manaus/AM a Rede Nacional de Licenciaturas em Ciências das Religiões pelo Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso –FONAPER. Esse movimento de defesa do Estado laico e da diversidade religiosa através da educação cresce a cada ano e São Carlos não pode permanecer a parte deste processo, uma vez que tem duas grandes Universidades públicas e várias particulares. Este manifesto propõe que a cidade deveria ter um curso de capacitação de professores para atuar com a Disciplina Ensino Religioso, dentro da perspectiva da Cultura de Paz e da promoção do Estado laico.

4 – Criação do Parque Municipal da Paz (ou da Diversidade Cultural e Religiosa)
Desde 2001, o Projeto Homospiritualis encontra dificuldades para organizar tanto o Encontro Ecumênico de Educação e Cultura para a Paz e também o Fórum Permanente de Educação, Cultura de paz e Tolerância Religiosa pela ausência de um espaço público que, de fato, valorize a Cultura de paz e seja receptivo a propostas culturais e educativas voltadas para a valorização e garantia de um Estado laico. Nesse sentido, este manifesto propõe que a cidade tem condições de ter um parque público onde seja possível a realização de eventos direcionados para a criação de uma cultura de paz, servindo também de local de lazer para a população local e também para visitação de turistas. Entre os eventos que podem ser sediados no local estão o Wesak, que comemora o nascimento de Buda; o Yoga para a paz, um evento mundial que acontece em várias cidades e outros, como apresentações de grupos musicais evangélicos, exposição de pinturas mediúnicas etc. Enfim, um local para a vivência da diversidade religiosa. O local poderia ter áreas temáticas como, por exemplo, o “Jardim dos Orixás”, um local para visitação e também para oferendas por parte dos adeptos dos cultos afro-brasileiros; o “Jardim de meditação”, com jardim japonês e área para meditação, yoga, tai chi chuan etc.; a “praça da Bíblia” com passagens deste livro sagrado da tradição judaico-cristã, a “oca cultural” para realização de eventos que valorizem a diversidade das culturas indígenas brasileiras etc.
Neste local, em um pequeno teatro de arena, podem ser realizadas apresentações de contação de histórias espiritualistas, grupos musicais, peças de teatro e outras manifestações artísticas que valorizem a diversidade religiosa e o respeito mútuo.
Além disso, com a criação deste parque, o mesmo poderia sediar, anualmente,  o Fórum Permanente de Educação, Cultura de paz e Tolerância religiosa, assim como o Encontro Ecumênico de Educação e Cultura para a Paz, eventos que poderiam ser oficializados no município e que passariam a ser organizados pelo Conselho Municipal da Diversidade Religiosa, assim que o mesmo for implementado, em parceria com a coordenação municipal de cultura.

Considerações finais
A Constituição da República Federativa do Brasil garante a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, proteção aos locais de culto e de suas liturgias. Além disso, temos outras leis e recomendações para a aplicação dos diplomas legais, tais como: a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, (atualizada pela a Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, acrescentando parágrafo no art. 140 do Decreto-Lei n º2.848, de 7 de dezembro de 1940) dispõe que “serão punidos, na forma desta Lei os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”; a Lei nº11.635, de 27 de dezembro de 2007, que institui o  Dia Nacional  de Combate à Intolerância Religiosa; o Decreto nº 7.037, de 21 de Dezembro de 2009 (atualizado pelo Decreto 7.177, de 12 de maio de 2010) instituindo o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3); a Recomendação nº 010, de 20 de abril de 2012, da Plenária do Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP/MJ) a qual: “Recomenda que nos Boletins de Ocorrência, Termos Circunstanciados ou similares pelos órgãos de Segurança Pública, seja incluído campo ou espaço obrigatório onde possa identificar ou relacionar o crime perpetrado ou investigado com a motivação ou conotação de intolerância religiosa”.
Nesse sentido, a laicidade do Estado é garantida quando compreendemos que existem diferentes grupos religiosos e que é função do Estado laico agir como mediador de conflitos, garantindo a plena liberdade de expressão religiosa, uma vez que, a laicidade do Estado não se contrapõe à religião, mas tem o dever de assegurar a pluralidade religiosa. O Estado não tem sentimento religioso e, sendo laico, não deve estabelecer preferências ou privilégios a alguma religião, mas deve garantir que todas as religiões possam conviver em igualdade, e que as escolhas individuais sejam respeitadas para que ninguém seja perseguido ou discriminado por sua crença, mantendo sua imparcialidade em relação às religiões.
As quatro propostas acima, aprovadas em consenso no 4º encontro do fórum permanente de educação, cultura de paz e tolerância religiosa, serão levadas para conhecimento da nova administração municipal, sendo este manifesto encaminhado para o gabinete do prefeito, para as secretarias de educação e de cidadania e também para a coordenação de cultura do município. Ele também será encaminhado para o presidente da câmara municipal e para os principais meios de comunicação do município e entidades de defesa dos direitos humanos .
São Carlos, 21 de Janeiro de 2013 (Dia nacional de combate à intolerância religiosa)
Assinatura das organizações religiosas e/ou espiritualistas presente ao Fórum

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