No dia 17 de maio, o Jornal A Folha de São Paulo publicou o artigo O
efeito placebo e a pseudomedicina. O artigo, do meu ponto de vista, tem uma
dimensão positiva, ao nos alertar para os riscos das pseudo-medicinas, mas tem
uma negativa que é a de generalizar a questão, desconsiderando as pesquisas
sérias sobre as terapias complementares integrativas.
Em nenhum momento o artigo aborda as verdadeiras pseudo-medicinas que se
escondem atrás de rótulos como "medicina quântica", "saúde
quântica" ou "cura quântica", entre outros. Estas
pseudo-medicinas partem de um pressuposto equivocado, fruto de uma
interpretação errônea, seja por má-fé ou por ignorância. Elas acreditam que o
fato de alguém olhar para um elétron faz com que ele mude o seu comportamento
de onda para partícula.
Qualquer estudante minimamente informado do ensino médio, sabe que esse
argumento carece de cientificidade. Não é possível se medir a olho nu uma
partícula atômica. São necessários enormes aceleradores de partículas. Em suma,
é o instrumento utilizado para fazer a medição que interage com o elétron
fazendo com que o mesmo mude seu comportamento.
Porém, o fato desse pressuposto básico ser totalmente inconsistente, de
forma que é um erro legitimar as práticas integrativas e complementares por
esse viés pseudo-científico ou "quântico", isso não significa que
várias das práticas integrativas e complementares não tenham valor, iniciando
pelo uso da água mineral para fins de tratamento e também de manutenção da
saúde.
O articulista, ao criticar o uso de águas minerais, ignora que desde a
Antiguidade existe o uso terapêutico da águas, inicialmente pelas qualidades
físicas e, a partir do Renascimento, a partir do estudo da reação química de
diferentes tipos de água no organismo. E ninguém, em sã consciência,
recomendará o consumo da água do rio Tietê in natura enquanto não houver
evidências científicas que ela não faz mal para a saúde. O bom senso já nos
indica que a qualidade da água tem influência na qualidade da saúde de quem a
bebe ou a usa para banhos, independentemente da evidência científica.
E por falar em evidência científica, o articulista afirma que a medicina
se baseia no método científico. Mas sabemos, há mais de cem anos, que o método
científico utilizado para se estudar o mundo macroscópico não é suficiente para
estudar o mundo que está além da velocidade da luz e tampouco o mundo das sub-partículas
atômicas. Neste, por exemplo, o rigor objetivista do newtonismo é impossível de
ser colocado em prática e é necessário levar em consideração a interferência da
observação, com os seus instrumentos, no fenômeno a ser observado. O mesmo
princípio é válido para a medicina. Assim, aquilo que o articulista chama de
"pseudo-medicina" e que não aceita a lógica científica, talvez apenas
necessite ser estudada por um método científico mais adequado. Se esse axioma
for colocado em prática, a probabilidade das evidências empíricas, que já são
muitas, poderão se multiplicar.
Mas o meu objetivo não é defender a homeopatia, a acupuntura ou outra
prática terapêutica não-biomédica. Quero apenas demonstrar que a estrutura
racionalizante proposta no artigo é muito mais subjetiva do que objetiva. E
que, ao invés de antagonismo entre a" verdadeira medicina" e a
"pseudo-medicina", carecemos mesmo é de um método que trabalhe com as
dimensões humanas que se encontram para além de nossa estrutura fisiológica,
valorizando de forma positiva o chamado "efeito placebo" e,
conseqüentemente, a importância do imaginário na manutenção e também na
recuperação da saúde.
Por ignorar a complexidade humana, o autor do artigo vai concentrar sua
energia em atacar os pressupostos da homeopatia, afirmando que eles "contrariam
mais ou menos tudo o que sabemos de fisiologia e de química" e que ela não
passa de "placebo". A
homeopatia, realmente, contraria a fisiologia cartesiana que considera apenas o
corpo físico, ignorando, mais por crença do que por evidência, a existência de
outros campos energéticos no ser humano e nos demais corpos orgânicos (animais
e plantas) e também nos inorgânicos (minerais).
E é justamente a existência desses campos sutis de energia que são
ativados através do "efeito placebo" quando a pessoa acredita que vai
melhorar ao tomar um remédio homeopático, fitoterápico ou alopático. Ao invés
de ver o fenômeno como algo negativo, um cientista atento daria valor ao poder
da imaginação sobre a fisiologia humana, rompendo com o paradigma cartesiano
que não considera a inter-relação corpo/mente e não é capaz de compreender que
muitas enfermidades são psicossomáticas, ou seja, produzidas pela ação do
pensamento e das emoções. Ao se compreender esse fato, recursivamente se
compreende que o tratamento também pode ser psicossomático, sem depender de
nenhum elemento exterior. E isso inclui os remédios que o articulista defende,
utilizados pela "medicina verdadeira".
Dentro dessa perspectiva, o "efeito placebo" pode ser a regra
e não a exceção, ou seja, quem garante que os remédios alopáticos não funcionam
devido ao efeito placebo? Quem pode nos garantir que por mais que o principio
ativo de um remédio provoque determinadas reações no corpo de um rato, ao se
fazer a mesma experiência com humanos, a "psicosfera" daquela pessoa
não será capaz de anular aquela reação? Enfim, diariamente tomamos consciência
de pessoas que são facilmente hipnotizadas e fazem tratamento de canal nos
dentes ou fazem cirurgias em seu corpo sem precisar de anestesias. E o
contrário também. Ou seja, há pessoas que tomam doses cavalares de anestésicos
e seus corpos não ficam sensibilizados. Que poder humano é esse que anula o
principio ativo de um remédio ou potencializa um "placebo"?
Se atentarmos a esse fato, poderíamos tratar com mais atenção o poder da
mente e da imaginação criativa na origem de muitas enfermidades e, o mais
importante, na recuperação da saúde. O articulista parece não dar o valor
necessário a sua própria frase: "a simples expectativa de cura já provoca
uma tempestade de reações fisiológicas reais". Esse fato, empiricamente
comprovado, mereceria mais atenção por parte de todos que realmente se interessam
pela saúde, sem interesses comerciais.
Infelizmente, a obsessão pelo "método científico" cartesiano parece
não ajudar o articulista a perceber a contradição de seus argumentos quando
propõe que a resolução do problema é feito submetendo uma parte dos pacientes
"ao tratamento que você quer testar e a outra -o grupo-controle- a um placebo."
Esse método, por mais que seja considerado científico, não anula o "efeito
placebo", ou melhor, a interferência psíquica do sujeito que é o objeto da
pesquisa.
Em suma, ao mesmo tempo que há a expectativa com a cura usando um
placebo, pode haver a descrença com a cura usando ou não um placebo e até mesmo
um determinado medicamento. Nesse sentido, o que para o autor do artigo é o "mais
duro golpe" sofrido pela homeopatia, pode não ter passado de mais um
discurso subjetivo de alguém disposto a atacar uma prática terapêutica com a
qual não tenha simpatia. A pesquisa de 2005, citada pelo autor, levou em
consideração se as pessoas atendidas pela homeopatia acreditavam em sua
eficácia? E qual o percentual de céticos em relação à homeopatia participaram
da pesquisa?
É muito fácil fazer uma crítica a uma prática terapêutica com a qual não
concordamos. O discurso da ciência, por mais racionalizante que seja, é sempre subjetivo.
Um estudo que demonstra empiricamente
esse fato, usando um "ideologema" caro ao autor do artigo em análise,
é o livro "Um fazer persuasivo", de Maria José Coracini. Dentro dessa
perspectiva de uma ciência sem consciência, não é de se estranhar que "profissionais
mais céticos começaram a produzir estudos de melhor qualidade, que não
apresentavam resultados tão positivos." Até que ponto o interesse em
apontar a ineficiência da prática não influenciou nos resultados?
Além disso, quando se trabalha com terapias que utilizam a energia humana, ainda não quantificada ou medida, mas que é possível sentir e qualificar sua existência através de reações fisiológicas como arrepios, lacrimejamento e outros, temos aqui o mesmo problema apontado acima com a experiência da dupla fenda que demonstra que o instrumento usado para medir o elétron interage com o mesmo e altera a medida, no caso, o comportamento do objeto estudado. Nas pesquisas sobre práticas bioenergéticas realizadas com a imposição das mãos, algo similar acontece, pois quando alguém se aproxima de outra e impõe as mãos, não importa se ela tem formação em reiki ou em outra técnica similar, uma troca de energias começa a se processar e isso vai alterar o resultado da medida. Assim, para estas pesquisas, o efeito placebo e a técnica do duplo cego não são suficientes para se fazer medidas objetivas, pois não levam em conta essa interferência.
Mas o importante aqui não é alimentar falsas dicotomias como, por exemplo, a homeopatia
é errada e a alopatia é certa, ou vice-versa. A questão é que o poder da
imaginação humana tem sido negligenciado e ela é um importante instrumento para
manter a homeostase do "sistema humano", integrando em uma unidade o
biofísico e o psíquico. Mas concordo com o articulista que é preciso alertar
contra a pseudo-medicina, e esta não é a homeopatia, a acupuntura ou mesmo a
água mineral. A pseudo-medicina é aquela que procura legitimar algumas práticas
terapêuticas com base em interpretações místicas de uma disciplina cientifica
séria como a física quântica. Mas esta é importante para nos alertar que o método usado para estudar alguns fenômenos pode não ser suficiente para se estudar outros.