sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O moderno e o pós-moderno na mediunidade

O moderno e o pós-moderno na mediunidade: das mesas girantes às palestras online com seres incorpóreos

As manifestações mediúnicas estão registradas em todos os lugares e épocas da história humana. O uso da comunicação mediúnica para fins escusos e materialistas foi alvo de censura, quando Moisés decidiu “proibir” a comunicação com os mortos.
Porém, nos tempos modernos, temos relatos de filósofos famosos como Goethe ou de cientistas como Hahnemann, criador da Homeopatia, que também se comunicavam com os espíritos através da “psicofonia” e da “psicografia”, nomes que Allan Kardec criou no século XIX para classificar, respectivamente, o que o senso comum chama de “incorporação” e o ato de receber mensagens
por escrito de seres incorpóreos.
Não podemos esquecer também da sensacional vidência e paranormalidade de Swedenborg, cientista do século XVIII, cujo famoso livro Arcana celestia foi alvo de grosseira crítica do filósofo
Emmanuel Kant, em 1766, no livro “sonhos de um vidente explicados por sonhos da metafísica”, no qual reconheceu a existência do mundo dos Espíritos, mas classificou o contato entre o mundo
espiritual e o material como patológico.
Apesar de todos estes acontecimentos, a mediunidade, nome também criado por Allan Kardec, passou a ser alvo de pesquisas mais rigorosas no século XIX, com o surgimento das famosas “mesas girantes”. Esse entretenimento pequeno burguês, comum nos salões europeus do século XIX, foi alvo de sérias investigações do pedagogo Hippolyte Leon D. Rivail, mais conhecido por seu pseudônimo Allan Kardec, levando-o a conclusão de que tais atos eram realizados por consciências incorpóreas, afastando todas as possibilidades de charlatanismo. A partir dos estudos das mesas girantes e outras manifestações mediúnicas, esse pesquisador francês escreveu três obras significativas: O Livro dos Espíritos, no qual 1018 perguntas foram formuladas aos supostos Espíritos, abordando diferentes assuntos de interesse da humanidade; O Livro dos Médiuns, um verdadeiro tratado científico sobre a mediunidade, e O Evangelho segundo o Espiritismo, no qual o novo testamento é interpretada pelos supostos Espíritos.
Em nenhuma de suas obras, porém, Allan Kardec define o espiritismo como religião, mas como uma ciência positiva cujo objetivo era estudar as manifestações dos Espíritos e as relações entre o mundo espiritual e o material. No Brasil, o nome espiritismo foi utilizado para identificar um movimento religioso e seus adeptos costumam afirmar que o “espiritismo não é mais uma religião, mas a religião”, conforme palavras dos ex-presidentes da Federação Espírita Brasileira, o senhor Guillon Ribeiro e o senhor Francisco Thiesen.
Mas o século XX não trouxe somente mudanças paradigmáticas no âmbito da epistemologia, renovando a ciência, a filosofia ou o campo da tecnologia aplicada e das artes; o campo das manifestações
mediúnicas também se ampliou e se renovou consideravelmente. São os sinais da pós-modernidade.
Em linhas gerais, podemos dizer que a modernidade se caracteriza por ser o projeto do Iluminismo. Trata-se, portanto, de um movimento eurocêntrico e cientificista. Apesar de sua tendência ao ateísmo, culminando no positivismo e no evolucionismo do século XIX, a ambição iluminista de dominar e racionalizar o mundo está presente inclusive na obra de Kardec, que não ficou imune a tais pensamentos eurocêntricos. Mas o projeto iluminista começou a desmoronar com os avanços da termodinâmica e da
mecânica quântica, cujos reflexos logo se manifestaram na arquitetura e na arte do século XX, mais universalistas e menos eurocêntricas. E como afirmou certa vez o músico baiano Caetano Veloso: “o Brasil foi o último país a entrar na modernidade, mas foi o primeiro a entrar na pós-modernidade”. E um dos marcos dessa pós-modernidade brasileira foi a origem mediúnica da Umbanda, na primeira década do século XX, quando, dentro da Federação Espírita de Niterói, o médium Zélio Fernandino de Moraes “incorporou” um espírito que se identificava como “caboclo Sete encruzilhadas”. O suposto espírito anunciava a criação de um credo religioso medianímico no qual as entidades manifestantes usavam as formas simbólicas de índios (simbolizando a força de caráter), de pretos-velhos (simbolizando a sabedoria)
e de crianças (simbolizando a felicidade incondicional). Assim, entrava em cena novos personagens espirituais além dos famosos médicos, filósofos, literatos e padres; entidades mais conhecidas
nas manifestações mediúnicas dos centros espiritistas e também nos livros de Allan Kardec.
A umbanda revelada pelos espíritos através do médium Zélio de Moraes ficou conhecida como “espiritismo de umbanda”, talvez para não ser confundida com a prática umbandista que já existia no Brasil e que consistia na realização de trabalhos de magia negra, utilizando o sacrifício de animais etc. O “espiritismo de umbanda” foi revelado com o objetivo de ser uma religião cristã, voltada para a prática da caridade. No I Congresso de espiritismo de Umbanda, realizado no Brasil, em 1941, deliberou-
se que:
1. o espiritismo de umbanda é uma das maiores correntes do pensamento humano existente na terra há mais de cem séculos, cuja raiz provém das antigas religiões e filosofias da Índia, fonte de inspiração de todas as demais doutrinas filosóficas do Ocidente.
2. umbanda é palavra sânscrita, cuja significação em nosso idioma pode ser dada por qualquer dos seguintes conceitos: Princípio Divino, Luz Irradiante, Fonte permanente de Vida, evolução Constante.
A receptividade às filosofias milenares do Oriente é outra característica da pós-modernidade, e, no campo mediúnico, isso se manifestou através do contato com os espíritos “orientais”.
Tanto no meio kardecista, mas, principalmente, no umbandístico, as chamadas “correntes orientais” foram se firmando e se tornando cada vez mais conhecidas. No âmbito da literatura psicografada, destacou-se um suposto espírito hindu-chinês que se identifica como Ramatís. Este suposto espírito afirma, em diversos
livros, ter sido, em uma de suas encarnações, Pitágoras, o filósofo de Samos.
No Brasil, o primeiro médium a escrever sob a inspiração desse suposto espírito foi Hercílio Maes, falecido em 1993. Atualmente, vários médiuns dizem psicografar mensagens e livros desse espírito. Mas a presença da espiritualidade oriental nas manifestações mediúnicas pós-modernas se fez mais evidente na
origem e crescimento de uma técnica de tratamento espiritual denominada Apometria.
O nome foi criado pelo médico brasileiro Dr. José Lacerda de Azevedo (1919-1997), mas a técnica parece ser também multimilenar, conhecida por grupos iniciáticos e esotéricos. O mérito de Lacerda parece estar em sua capacidade de reunir de forma eclética e criativa as contribuições do espiritismo de Allan
Kardec com as contribuições mentalistas das filosofias orientais e também da Teosofia.
Essa modalidade de tratamento espiritual que consiste em induzir os médiuns e pacientes ao desdobramento de seus corpos sutis, diagnosticando e tratando diversas enfermidades através
da concentração mental e do envio de energia, com o auxilio de supostos espíritos que se manifestam mediunicamente, vem ao encontro das mais hodiernas hipóteses levantadas pela Física quântica. É o retorno ao ponto de partida de Allan Kardec, aproximando a ciência da espiritualidade, sem vínculos religiosos ou proselitismo.
Porém, como falar em pós-modernidade sem falar em comunicação instantânea, em internet? E aqui também a mediunidade se manifesta. Há vários anos um suposto espírito que se denomina como Pai Joaquim de Aruanda, um preto-velho, realiza palestras online pela internet, através do sistema PalTalk. As palestras costumam ser acompanhadas por pessoas residentes em várias partes da Terra, e abordam diferentes temas espiritualistas: dos estudos clássicos da Índia aO Livro dos Espíritos, passando pelos
ensinamentos de Buda, de Jesus etc. Até o momento, o médium Firmino José Leite, que incorpora o suposto Espírito, tem um acervo com mais de 500 horas de gravações. Algumas das palestras
estão disponíveis na internet, no site: http://www.meeu.com.br.
Outras gravações foram transcritas e disponibilizadas em várias listas de discussão e sites. Em março de 2006 foi publicado pela ONG Círculo de São Francisco, localizada na cidade de São Carlos, um livreto intitulado “a oração de São Francisco interpretada por Pai Joaquim de Aruanda”, com a transcrição integral de uma de suas palestras.
Em suma, a pós-modernidade já se constrói não só como um plano de novas idéias filosóficas, científicas e culturais, mas como um cenário onde, a cada dia, se torna mais factual a crença na imortalidade da alma, na reencarnação e na comunicação natural com os seres incorpóreos.

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