domingo, 6 de novembro de 2011

Humanização X Encarnação




Adilson Marques - asamar_sc@hotmail.com

Em meus livros tenho usado um termo relativamente novo no discurso espiritualista: humanização do Espírito ao invés de encarnação. Recentemente, recebi um e-mail de uma leitora de meus livros perguntando se esta expressão seria o mesmo que encarnação. Supondo que outras pessoas também tenham essa dúvida, vamos esclarecer. Não! Humanizar é diferente de encarnar. Podemos dizer que encarnar é uma necessidade do processo de humanização, mas esta não se resume a encarnação.
Encarnar seria o ato de ligar o Espírito eterno a um corpo físico. Este processo significa apenas que o Espírito foi ligado a um corpo e pode, por exemplo, manter sua estrutura psicológica ou egóica. Este é o argumento, por exemplo, de quem não aceita a hipótese de que o mesmo Espírito poderia encarnar como Allan Kardec e depois como Chico Xavier. Não estou aqui defendendo essa idéia, apenas ilustrando uma possibilidade. Se encarnar é apenas ligar o espírito a um novo corpo, realmente não há como um ser racionalista como foi Allan Kardec encarnasse em um homem religioso e sentimental como foi o Chico. Mas quando falamos em humanização, este fato poderia acontecer. Nada impediria que um Espírito tivesse uma encarnação com um Ego extrovertido em uma encarnação e, logo em seguida, uma outra encarnação com um Ego introvertido. 
Porém, vamos abordar o tema não a partir de especulações, mas através da coleta de dados em trabalhos mediúnicos realizados ininterruptamente desde 2001. e, a partir dos dados coletados, podemos inferir que o processo de humanização do Espírito é mais complexo do que uma simples ligação a um corpo material, pois, em nossa opinião, se faz necessário que o Espírito eterno seja ligado a uma nova consciência para viver suas provas e expiações. 
É importante novamente salientar que todos os nossos conceitos ou reflexões são baseadas em trabalhos empíricos e não em doutrinas pré-estabelecidas. Nesse jogo dinâmico entre a teoria e a prática mediúnica, vamos formulando conceitos ou readequando seus uso, em um jogo dialógico que parte da fenomenologia mediúnica e sem a necessidade de justificar uma teoria ou doutrina pré-estabelecida, colocando a mediunidade dentro de regras do tipo "isso pode", "aquilo não pode", pensando o fenômeno a partir de um modelo teórico estanque ou pré-estabelecido. Dito isso, podemos prosseguir na reflexão, utilizando para isso dois exemplos. O primeiro é de uma mulher que nos procurou para atendimento apométrico. Ela afirma que foi estuprada quando adolescente e que seus relacionamentos com os homens nunca foram saudáveis. Sempre se relacionou com homens violentos, agressivos, machistas etc. e, ao nos procurar, gostaria de saber se haveria algo "espiritual" por trás desse insucesso nos relacionamentos afetivos. 
Ao abrir o trabalho desta mulher, uma das médiuns rapidamente sintonizou com uma encarnação da consulente provavelmente no século XVIII, em uma região que hoje seria a Alemanha. A consulente vivenciava uma encarnação como homem e era muito machista. A médium descreveu que o homem frequentava uma espécie de cabaré e que saia com as mulheres que lá trabalhavam. Ele as agredia e as tratava sem nenhuma dignidade, como objetos. Chegou, inclusive, a praticar vários estupros. 
Foi realizado muita energização da consulente e solicitado que ela tentasse perdoar quem a estuprou e os demais homens com quem se relacionou e se desligar dessa energia que a acompanhava, mudando interiormente e com isso atraindo relacionamentos mais saudáveis, mas compreendendo que "colheu o que plantou" no passado, tendo agora a oportunidade de aprender com as vicissitudes que passou ao invés de continuar sofrendo e se fazendo de vítima.
Nesse caso, se apenas o Espírito fosse ligado a um corpo, mesmo que mudando o sexo, ele deveria manter seus interesses, valores e desejos, numa sequência linear entre as encarnações. Mas não é o que constatamos neste caso. O mesmo Espírito teve uma encarnação como homem, sendo muito machista e, agora, em um corpo de mulher, é uma pessoa mais sensível, desejando ardentemente um relacionamento mais saudável com homens, mas só atrai aqueles que foram exatamente como ela no passado. Ou seja, estamos diante de uma situação que podemos chamar de "efeito espelho". Foi necessário para este Espírito encarnar como mulher, ter desejos diferentes daquele que manifestou em outra existência. Em outras palavras, buscasse uma vida diferente daquela que teve no século XVIII, mas atraí para si homens que agem exatamente como agiu no passado, provavelmente para adquirir um aprendizado espiritual. Assim, em tese, supondo ser verdade a informação da médium, foi necessário para a atual encarnação possuir um outro Ego, agora muito mais adequado ao universo feminino, desejando ser amada e compreendida, com valores diferentes daquele que cultuou em outra existência, mas, ao mesmo tempo, "colhendo o que plantou". Provavelmente, se aproveitar a atual encarnação, em uma futura novamente como homem, terá uma atitude muito diferente diante das mulheres. Dificilmente, agirá como no século XVIII.
E o segundo exemplo se baseia em uma viagem que fiz ao Sul do país, realizando palestras em Porto Alegre e cidades da região. Eu fiquei muito magoado ao ver vários índios da etnia Kaingang como se fossem mendigos pelas nas ruas, nas rodoviárias etc., pedindo dinheiro ou vendendo alguns objetos. Provavelmente, senti pena deles por acreditar que tive uma encarnação como índio desta etnia, conforme uma revelação espiritual. E, ao chegar em São Carlos, em uma reunião mediúnica, perguntei ao Espírito que se manifestava como índio e que dizia ter sido meu pai biológico naquela suposta encarnação em que fui um índio kaingang sobre a situação do "nosso povo" e se não poderíamos fazer alguma coisa para ajudá-los a sair daquela situação de miséria e exclusão. 
Ele ouviu atentamente minhas colocações egóicas e disse mais ou menos assim: "é louvável seu interesse em querer ajudá-los, mas é importante ajudar com consciência. Hoje eles estão encarnados como índios, mas ali tem vários Espíritos que ajudaram na dizimação do 'nosso povo', como você falou. Lembre-se que somos irmãos espirituais e não importa a forma que temos hoje, como mulher ou homem, branco ou índio... somos todos Espíritos aprendendo a amar de forma universal. Não queira ajudá-los só porque são 'índios'. Queira ajudar por serem também Espíritos eternos, como cada um de nós, e passando por suas próprias provações. Queria ajudá-los como ajudaria qualquer pessoa que viesse pedir ajuda aqui, não importando a 'roupa' utilizada pelo Espírito".
Suas palavras mexeram comigo, foi como passar por um um "upgrad" no Ego, atualizando meu "sistema operacional". E, a partir daquele momento, passei a ver naqueles "índios excluídos" a presença de Espíritos eternos passando por provas e vivenciando seus carmas e não "coitadinhos". E também foi interessante ouvir um ponto de vista diferente daquele presente no movimento espiritista, particularmente nos livros de Richard Simonetti. Este escritor espiritista escreve que os "bárbaros" invadem a "civilização" através da encarnação. Os "bárbaros" para ele seriam os índios que foram dizimados em suas aldeias e que, em tese, precisariam hoje encarnar na "civilização". Para este autor, por serem Espíritos "inferiores" seriam eles os responsáveis pela "violência urbana". Porém, na ótica desse Espírito que se manifesta como índio, e com uma visão muito mais universalista para mim, os "civilizados" também invadem o mundo "indígena" através da encarnação e "colhem o que plantaram" no passado, vivendo, como no exemplo apontado acima, em um ambiente de exclusão. 
Em nenhum momento o suposto índio que diz ter sido meu pai diz que não possamos tentar mudar essa situação, mas fazer isso sem sentir dó, pena ou qualquer outro sentimento que não seja o verdadeiro amor, e compreendendo que não são "índios" e sim Espíritos eternos, irmãos espirituais vivenciando suas próprias provas e expiações.
E neste caso também podemos constatar que foi necessário a esse suposto Espírito que foi no passado um conquistador, que dizimou aldeias indígenas em nome da "civilização" ter que encarnar como índio e viver na pele um contexto de exclusão social. Foi necessário se ligar a uma nova consciência e não apenas a um novo corpo. E como no exemplo anterior, o "efeito espelho" se faz aqui presente. Na necessidade de viver o "outro lado da moeda", o Espírito pode aprender a ser mais tolerante, mas compreensivo com o outro, com o diferente etc. 
Em suma, encarnar é parte fundamental do processo de humanização do Espírito, mas quando usamos o termo humanização ao invés de encarnação temos como objetivo ressaltar a necessidade de uma nova consciência, criada de acordo com as provas e expiações que o Espírito eterno precisa vivenciar.

São Carlos, 6 de novembro de 2011     

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