sábado, 15 de outubro de 2011

A escolha do gênero de provas e o livre arbítrio após a encarnação

 
A Doutrina Espírita afirma que o livre arbítrio foi exercido, fundamentalmente, antes da encarnação quando, em tese, escolhemos um gênero de provas para vivenciar na Terra. Após a encarnação, a liberdade seria moral e não mais material. E o que isso significa? Que poderíamos escolher entre o “Bem” (amor) e o “mal” (egoísmo). A questão que melhor traduz essa psicosofia (sabedoria espiritual) é a de número 258 de O Livro dos Espíritos, na qual o Espírito Verdade responde para Kardec que o livre arbítrio consiste em escolher um gênero de provas para ser vivenciado na Terra.
Podemos compreender, a partir desta informação, que o livre arbítrio é exercido sempre pelo Espírito (a individualidade), ou seja, quando gozamos de nossa plena consciência. Dessa forma, não faz sentido acreditar que o ser humanizado, ou seja, o Espírito ligado a um Ego (a personalidade) para uma nova encarnação tenha total livre arbítrio. Normalmente, o ser humano, motivado pelo egoísmo, o sentimento que nutre os planetas de “provas e expiações”, tende a escolher vivenciar uma situação diferente ou oposta àquela escolhida quando se encontrava livre, com sua consciência espiritual desperta, como aparece na questão 266. Aqui, Kardec pergunta se não seria natural o Espírito escolher provas não penosas e ouve como resposta: “para vós (encarnados), sim; para o Espírito, não. Quando ele está liberto da matéria, cessa a ilusão, e a sua maneira de pensar é diferente”.
Ou seja, a partir da resposta do suposto Espírito Verdade, o Ego (a consciência humanizada) é programada para pensar de forma diferente, muitas vezes oposta a do Espírito. Este pode escolher passar por uma enfermidade dolorosa para expiar alguma coisa, mas o Ego pode se revoltar, não aceitando aquela doença que lhe tira a liberdade ou que o faz sofrer. Por isso a “ressurreição”, ou seja, o vivenciar a vida humanizada com consciência espiritual ajudaria a passar por tais vicissitudes negativas sem sofrimento, compreendendo a necessidade daquela “expiação” e buscando força interior para superá-la, ao invés de se fazer de vítima, por exemplo.
Talvez seja por isso que sempre encontramos o Espírito Verdade, em O Livro dos Espíritos, afirmando que Deus julga a intenção e não os fatos ou, então, afirmando que o “mal” só é prejudicial ao Espírito quando praticado com o desejo de o cometer. Se cada um de nós deve receber somente aquilo que necessita e merece, o livre arbítrio após a encarnação não pode estar nos atos materiais, mas na forma como os mesmos serão vivenciados. Após a encarnação, o livre arbítrio pleno se encontra no sentimento, no mundo interior, nas atitudes morais.
O Suposto Espírito Verdade, na questão 258 afirma, nesse sentido: “se um perigo vos ameaça, não fostes vós que criastes, mas Deus; contudo, pela própria vontade, a ele vos expondes porque vedes um meio de adiantar-vos e Deus o permitiu”. Se isso for verdadeiro, temos a informação de que o perigo é criado por Deus e que Ele permite aos Espíritos participarem dele por livre escolha. Porém, é através da vontade de nos aprimorar, não como seres humanos, mas como Espíritos, que vamos nos expor a esse perigo. Em suma, o mundo em que vivemos é, ao mesmo tempo, fatalista e livre. Temos a liberdade de escolher um gênero de provas, porém, para que tudo aconteça de forma sincronizada e perfeita, os atos materiais, perigosos ou não, serão criados por Deus, a inteligência suprema e causa primária de todas as coisas, segundo a Psicosofia do Espírito Verdade, mesmo que não seja esta a interpretação de vários adeptos do espiritismo que acreditam no acaso ou em contingências, ou que inocentes podem ser vítimas de “balas perdidas” etc.
Voltando aos ensinamentos do Espírito Verdade, é importante salientar que esse perigo não é material. Os perigos seriam as tentações morais: a vaidade para o artista, o orgulho para o médico, o apego às verdades para o professor etc. Assim, se após a encarnação (humanização), o Espírito optar pelo “Bem” (o amor incondicional) vai se aprimorar; se optar pelo “mal” (o egoísmo), permanecerá estacionado. Para melhor entendermos esse processo, ou seja, como os “perigos” da vida humanizada são criações de Deus, em função do gênero de provas escolhido pelo próprio Espírito, vamos tomar o seguinte exemplo. Um Espírito quer passar pela prova de vencer o vício. Assim, para que a prova dele aconteça, Deus terá que criar um Ego sedento por bebidas alcoólicas, drogas, sexo ou qualquer outra coisa que vicie. Em outras palavras, temos que compreender que o Espírito em si não é viciado, mas o seu Ego (a consciência provisória) pode ser programada para o Espírito vivenciar uma determinada provação.
Ao encarnar, este Espírito terá as condições necessárias para provar a si mesmo e a mais ninguém se consegue ser mais forte que o Ego, ser mais forte que a matéria, resistindo à tentação por bebidas, drogas, sexo promíscuo etc. Esse processo nos ajuda a entender o porquê de muitos desencarnados permanecerem viciados, como se lê rotineiramente nos romances espíritas. Trata-se de desencarnados ainda presos ao Ego que vivenciaram na Terra. Eles ainda não recuperaram sua real consciência. É por isso que o desencarne (o libertar-se da carne) não é suficiente para libertar imediatamente o Espírito da consciência provisória criada para ser vivenciada na Terra.
E a escolha do gênero de provas, como está explicito na questão 259, é sempre de ordem moral, nunca material. Por exemplo, o Espírito não escolhe como prova ser um bom cantor, mas ele pode ser um bom ou mau cantor se sua prova consiste em vencer o orgulho, a vaidade etc. Vamos tomar mais um exemplo polêmico. O Espírito não escolhe, necessariamente, ter um Ego homossexual porque ele é um Espírito “promíscuo”, mas se ele escolhe como gênero de provas vencer o sentimento de rejeição, a probabilidade de encarnar com um Ego homossexual aumenta, ainda mais se os Espíritos que foram escolhidos para serem os seus pais escolheram como gênero de provas vencer o preconceito. Podemos notar que o teatro está prontinho. Um Espírito escolhe vencer o sentimento de rejeição e outro o sentimento de preconceito. Deus aproxima os dois e cria a prova: nasce naquela família um filho com Ego homossexual. Em suma, um se torna o instrumento para a provação do outro, pois Deus, segundo Pai Joaquim de Aruanda, respeita sempre o gênero de provas escolhido por cada um antes da encarnação.
Como já salientamos anteriormente, dentro da perspectiva trazida por este suposto Espírito, ao mesmo tempo em que passamos por nossas expiações (vicissitudes), somos instrumentos para o carma alheio, “cumprindo aí, daquele ponto de vista, as ordens de Deus”. E como também já salientamos, o aprimoramento espiritual acontece quando conseguimos ser felizes e amamos incondicionalmente o outro, não importa a forma que ele tenha. No exemplo acima, o Espírito que encarnou como filho vai se aprimorar se for feliz, mesmo sendo rejeitado pela família e amar incondicionalmente o pai; já o outro Espírito vai se aprimorar quando viver seu papel de pai amando incondicionalmente o filho homossexual e sendo feliz.
No capítulo seguinte, ao discorrermos sobre a influência dos espíritos no mundo material, dirigindo, freqüentemente, como afirma a Doutrina Espírita, nossos pensamentos e atos, vamos tomar consciência que nem uma telha cai na cabeça de alguém por acaso ou por contingência. Segundo a Doutrina Espírita, o Espírito liberto dos liames que o prendem ao Ego da encarnação anterior planeja sua futura encarnação. Com seus mentores e instrutores planeja os grandes acontecimentos morais de sua existência humanizada. E Deus, como causa primária, será o responsável por criar os fatos materiais que irão gerar a prova do espírito. Porém, outros fatos materiais de menor importância também seriam criados por Deus, mesmo que o Espírito não tenha conhecimento deles e nem os planejado antes, tais como a telha que cai na cabeça, o dedo que se queima, o chute em uma pedra etc. Porém, todos esses pequenos desgostos na vida humanizada não vão alterar em nada o rumo da atual encarnação. Eles podem ter sido escritos para servir de alerta, informando que algo nos pensamentos e sentimentos emanados precisa mudar.
Para Pai Joaquim de Aruanda, estes pequenos desgostos podem acontecer para mostrar ao Espírito que ele deixou de emanar amor em algum momento ou mesmo para alertá-lo que não se deve sentir prazer nos atos em que somos o instrumento para a prova de outro espírito humanizado. Vamos exemplificar este ensinamento da seguinte forma. Imaginemos um torcedor do time que é o vencedor de um determinado torneio. O prazer que ele sente quando o seu time vence não pode ser chamado de felicidade, pois a felicidade só existe quando é um sentimento universal. O prazer que se sente quando um time é campeão só é possível em função do desprazer que passa os torcedores dos times rivais. Nesse sentido, o prazer sentido naquele momento vai gerar, necessariamente, um momento de desprazer de mesma intensidade energética, que pode ser vivenciado, se Deus permitir, ainda na atual encarnação. Em outras palavras, para se harmonizar com o Universo, a energia de não-amor universal, emanada pelo espírito no ato de sentir prazer com o time campeão, gerou a necessidade de uma vicissitude negativa na vida dele. E tal vicissitude negativa pode ser a telha que cai na cabeça, por exemplo, mesmo que isto não tivesse sido escrito antes da encarnação pelo pelo Espírito.
Este também é um ensinamento de Lao-Tsé. Ele afirma que a alegria contém a semente da tristeza, assim como o prazer traz em si a semente do desprazer. É a interação e o equilíbrio entre o “yin” e o “yang”. É por isso que os ensinamentos orientais afirmam que a melhor forma de passar pelas vicissitudes, tanto as negativas como as positivas, é sempre com equanimidade, sem sentir prazer ou desprazer. Ou seja, sem se apegar aos frutos do trabalho realizado, sejam eles agradáveis ou desagradáveis, do ponto de vista do Espírito humanizado.

texto retirado do capítulo 5 do livro 
Educação Após a morte: princípios de animagogia com seres incorpóreo, de Adilson Marques.

Um comentário:

  1. Muito bom esse texto. Sempre pensei que ser feliz enquanto outros estão infelizes, não é uma felicidade de verdade. Mas ainda temos muito pra aprender....
    Vou ler tudo novamente para absorver melhor sobre o livre arbítrio....
    Abs
    Luiza

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