Adilson Marques - asamar_sc@hotmail.com
Posso dizer
sem medo de errar que minha principal atividade de lazer é sonhar. Nada que
exista na Terra me traz mais satisfação do que vivenciar um drama, uma comédia,
um romance e descobrir que tudo foi um sonho e que todo aquele cenário e
pessoas só existiam dentro de minha própria mente. O sonho é um dos fenômenos mais fascinantes e
que me intriga profundamente. E acredito que eles possuem uma dimensão
espiritual (ou seja, extra cerebral) e alguns são mesmo proféticos.
Mas um dos
sonhos que tive nesta noite deve ter sido influenciado por uma conversa que
tive com uma amiga, no final do ano passado. Eu estava perto do mercado
municipal de São Carlos quando uma amiga candomblecista me viu e veio falar
comigo. Contou-me que a prefeitura queria fazer um evento sobre as religiões de
matriz afro-brasileira e que, naquele final de semana teria uma reunião. Eu disse
a ela que estaria em Uberlândia, em um evento sobre Apometria, mas que gostaria
de participar das próximas. Desde então, não a encontrei mais e não sei em que pé anda o tal evento.
O novo ano
começou e hoje, dia 14 de janeiro, sonhei que estava em uma reunião. Uma mulher
que desconheço falava de forma exaltada. Lembrava muito uma militante revoltada. O seu discurso inflamado me
incomodava, mas eu ouvia atentamente o que ela dizia. Lembro-me de três frases muito
marcantes em seu discurso. A primeira dizia: “a umbanda está se tornando uma
religião de classe média branca...” e a segunda foi a seguinte: “os negros estão
abandonando suas raízes e migrando para as religiões evangélicas”.
Eu ouvia o que ela falava e pensava: mas a Umbanda foi criada por um homem branco e de classe média, o
Zélio de Morais. E se alguém visitar um terreiro de umbanda em Blumenau/SC, por
exemplo, vai ver aquele monte de médiuns branquinhos, loiros e de olhos azuis
“girando a gira”. Além disso, todos devem ter o direito de seguir a religião que desejar
e até de mudar, quando quiserem, por isso qual o problema de um negro ser evangélico?
Mas o que me
despertou daquele sonho foi a terceira frase. A mulher disse assim: “temos que
garantir que pelo menos 30 % dos médiuns que trabalham em terreiros de umbanda
sejam afro-descendentes”. Quando ela disse isso, não aguentei e comecei a rir.
De tanto rir, eu acordei e tomei consciência que se tratava de um sonho. Fiquei
das 4 às 6 horas sem conseguir dormir e aproveitei para matutar sobre o que
poderia significar tão enigmática criação onírica.
A mulher,
apesar de não saber quem era, no sonho representava a prefeitura. Era alguém do poder público. Isso me
pareceu "mau agouro". E por quê? Porque em 2008 e 2010 vivi experiências bem desagradáveis
com pessoas ligadas à prefeitura. E como estamos entrando em 2012, imaginei o meu
inconsciente me dizendo: “ano sim, ano não; lá vem confusão”.
Em
2008,
fui um dos organizadores do VIII Encontro Ecumênico de Educação e Cultura para a Paz e o
tema
elegido foi o centenário da Umbanda. O evento seria em uma escola pública da cidade.
Porém, depois de
acertar tudo verbalmente, ao ver o panfleto impresso a direção da escola voltou
atrás e não aceitou que o evento fosse lá, argumentando que era um
evento religioso e que eu poderia ser até mandado embora da prefeitura por justa causa. Eu
disse
que não era um evento religioso, mas sobre cultura de paz. E seria um evento para discutir sobre uma religião brasileira que
completava
100 anos, que tinha uma vida de luta e resistência, e pontos importantes
de
discussão, como o sacrifício de animais, em pleno século XXI, a sujeira
que alguns grupos deixavam nas praias e cachoeiras, além do risco de
incêndio em matas por causa de
rituais realizados de forma perigosa.
Enfim, tentei explicar que não se tratava de um evento
para se fazer proselitismo religioso. Porém,
para se evitar mais confusões, resolvi achar outro lugar para o evento e risquei o
nome da
escola do panfleto.
E,
em 2010,
uma nova confusão aconteceu. Desta vez foi o seguinte. A prefeitura organizou um evento chamado
“quão
negros somos!” e eu inscrevi um painel sobre a minha pesquisa de
História oral
com um preto-velho. O painel foi aceito e eu estava lá para
apresentá-lo. Eu estava feliz, porque essa
pesquisa, desde o seu início em 2005, já tinha me dado muita dor de cabeça. Primeiro, porque nenhuma Instituição
de
Ensino Superior que procurei se interessou em me aceitar como aluno de
pós-doutorado para fazer uma pesquisa de história oral com um suposto
espírito.
Provavelmente, me achavam um doido deslumbrado por querer fazer um estudo de história oral com um provável "morto".
A única que aceitou a pesquisa acabou me boicotando, não enviando para a CAPES os
documentos
solicitados e a bolsa de estudo acabou não sendo aprovada. Mesmo não
conseguindo fazer a pesquisa em um ambiente acadêmico,
heroicamente consegui terminá-la no ano de 2010 e, por alguma razão, ela foi aprovada
para ser apresentada no evento acima, voltado para ensinar a história e
a cultura africana e afro-brasileira.
Além deste evento, na semana seguinte estava programada uma palestra sobre mediunismo afro-brasileiro no Centro de Cultura Afro-brasileira,
um espaço cultural criado também pela prefeitura de São Carlos. Ou seja,
eu
estava em um evento da prefeitura e, na semana seguinte, faria uma
palestra em outro
espaço da prefeitura. Porém, ingenuamente, fui mostrar o panfleto deste outro evento para
a
pessoa que apresentava o "quão negros somos" e pedi permissão para divulgar a
palestra. Ela me proibiu e novamente o argumento seria a tal "laicidade" da
prefeitura. Em outras
palavras, em um evento eu tinha autorização para apresentar um painel
sobre história oral com um
preto-velho, mas não poderia divulgar uma palestra
similar que aconteceria em um centro cultural criado e
mantido também pela prefeitura. Ou seja, o destino me colocou no meio de uma situação kafkiana, daquelas que nenhuma lógica era capaz de explicar, desestruturando todos os meus chakras.
E
o sonho
desta noite me fez sentir calafrio depois que acordei. O que
poderá acontecer em 2012? Quem era aquela mulher revoltada que,
representando o poder
público, desejava criar uma cota para médiuns afro-descendentes? Na hora me lembrei de meus amigos umbandistas de Blumenau. Como eles iriam se virar, ou melhor, se
“girar”?
Enfim, de tanto matutar, consegui imaginar
três interpretações para o sonho:
1 – se
preparar para enfrentar uma nova confusão com alguém da prefeitura 2012;
2 –
exorcização plena das "experiências traumáticas" de 2008 e 2010, se libertando de
toda aquela energia negativa, para começar 2012 renovado;
3 – uma brincadeira
muito criativa de algum espírito zombeteiro, que me fez rir muito da idéia de
se criar cotas para médiuns afro-descendentes e “salvar” a Umbanda do seu “embranquecimento”.
São Carlos,
14 de Janeiro de 2012
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