segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Estado laico, espiritualismo transreligioso

Adilson Marques - asamar_sc@hotmail.com

Um Estado laico tem por objetivo a garantia de liberdade religiosa. Mesmo assim, há os que confundem o termo laico com ateísmo e, em casos extremos, com o laicismo, um movimento de perseguição às religiões, como aconteceu na China, durante a implementação do regime comunista, quando inúmeros templos budistas, por exemplo, foram destruídos.
Em um Estado laico, o poder público tem o dever de garantir todas as formas de manifestações religiosas, mas não tem como interferir na sociedade afirmando se há Deus, espíritos, vida após a morte, reencarnação etc. Estes termos são do campo teológico, filosófico e religioso. Alguns até pretendem levar essa discussão para o campo científico, estudando através do método cartesiano, recheado de estatísticas, fenômenos místicos ou subjetivos como a Experiência de Quase Morte (EQM), a "projeção astral", a provável comunicação com os mortos etc.
Porém, sempre que se apresenta uma concepção de Deus, mesmo que seja aquela adotada pelo espiritismo (Deus é a inteligência suprema e a causa primária de todas as coisas), estamos diante de uma reflexão religiosa e não laica. O Estado laico tem o dever de aceitar a organização sócio-religiosa de quem acreditar nessa concepção de Deus, assim como a organização de quem defende outra concepção e de quem nem acredita em Deus.
Nesse sentido, é curioso notar a existência de grupos religiosos que se dizem laicos. No caso dos espíritas, por exemplo, essa suposta laicidade é baseada nas concepções religiosas de Kardec, ou seja, que parte do pressuposto que existe Deus, espíritos, reencarnação etc. Assim, é um contra-senso afirmar que um movimento, cuja base teórica é recheada de termos religiosos, seja ao mesmo tempo laico, uma vez que este adjetivo tem uma conotação muito particular: a não-interferência da religião organizada na vida pública das sociedades contemporâneas. Não há outro sentido para o adjetivo laico que não esteja relacionado à relação Religião-Estado.
Por outro lado, é possível pensar o tema espiritualidade para além das religiões, ou seja, em um âmbito transreligioso. Neste âmbito, é possível estar além do sectarismo e dos rituais, algo muito comum nos movimentos religiosos, mas nada disso diz respeito a laicidade do Estado.
Alías o espiritismo pode e deve se valer do Estado laico para se defender, por exemplo, dos constantes ataques de membros dos grupos neo-pentecostais, pois entre os dois movimentos não há acordo, apesar de ambos acreditarem em intervenções do plano invisível sobre o visível. Porém,  enquanto os espíritas acreditam que elas são realizadas por espíritos de "pessoas mortas", os neo-pentecostais afirmam que são manifestações do "demônio". Mas, se a discussão terminasse aqui, não haveria problema. Infelizmente, o movimento neo-pentecostal é "etnocidário" e defende o combate ao "demônio", gerando, com muita frequência,  hostilidade aos espíritas e aos demais grupos religiosos que, em tese, conversam "com demônios", como é o caso dos umbandistas. E essa hostlidade é praticada de diferentes formas, chegando, em muitos casos, à agressão física.
Enfim, qualquer que seja o grupo espiritualista, a partir do momento que ele tem como pressuposto a existência de Deus, e, no caso do espiritismo, uma concepção monoteista de Deus, já negligenciou os ateus, os agnósticos e os politeístas, por exemplo. Assim, não existe "espiritismo laico" ou qualquer forma de espiritulismo que seja laico. Existe sim,  formas sadia de espiritualismo transreligioso, algo que é salutar e necessário para arejar o religiosismo que dominou o movimento espírita, sobretudo no Brasil, e outros movimentos espiritualistas, mas estes nada tem de laico, pelo menos não no sentido iluminista em que o termo se popularizou e até hoje é utilizado. O Estado tem que ser laico, para ser democrático. Mas, todo e qualquer agrupamento espiritualista pode, e é saudável se for, transreligioso.

São Carlos, 06 de janeiro de 2012

Um comentário:

  1. Acho que vc está um pouco equivocado a respeito do espiritismo. O movimento espirita, não é laico, nunca foi. É uma religião com embasamento cientifico e filosófico. Quanto a laicidade do estado, os espiritas são a favor e não estão interessados em fazer prosélitos. Ser laico é diferente de ser espirita.

    ResponderExcluir